Dificuldades dos cuidadores familiares perante um idoso dependente


As dificuldades enfrentadas pela família nos casos de dependência variam de acordo com a doença, as experiências individuais e os recursos disponíveis. Um estudo desenvolvido no Brasil por Edileuza de Fátima Rosina Nardi, Lucio Mauro Rocker dos Santos, Magda Lucia Felix de Oliveira e Namie Okino Sawada descreveu as dificuldades encontradas pelos cuidadores familiares para cuidar de idosos com dependência no domicílio.

Consistiu numa pesquisa qualitativa realizada com 19 cuidadores familiares de idosos dependentes, entrevistados em visitas domiciliárias. Os resultados apontaram que cuidar de idosos dependentes, além da necessidade de conciliar diversas tarefas, exige esforço físico, ajuda de outras pessoas e o controlo emocional.

As dificuldades que exigem esforço físico e transporte do idoso foram as mais relatadas. Torna-se importante conhecer as estratégias de apoio que poderão ser utilizadas para lidar com a situação de dependência no sentido de contribuir para a melhoria da saúde do cuidador e da qualidade dos cuidados a serem por ele prestados.

DESTACAMOS OS PRINCIPAIS RESULTADOS 

1 - Falta de tempo para a manutenção da própria saúde 
[...eu dou banho, troco, tiro da cama, dou café, depois levo para o banheiro, troco a fralda (...) trago para a cozinha para almoçar, depois levo para a cama de novo, é o dia inteiro... Ele dá sinal e eu largo o que estou a fazer, pego na cadeira de rodas, sento-o, levo-o ao banheiro ou para o quarto, onde ele quiser ir, aqui dentro de casa... a noite passada dormi até meia-noite, depois fiquei todo o tempo acordada até me dar sono pelas quatro horas da manhã. Tem dias que não aguento cuidar dele porque estou cansada, porque as pessoas de idade não dormem toda a noite e por períodos...o sono deles está muitas vezes desajustado em relação ao nosso padrão de sono...]

A tarefa de cuidar exige do cuidador uma constante dedicação e disponibilidade ao longo de todo o dia. Assim, evidencia-se um panorama preocupante, uma vez que as consequências do cuidado familiar do idoso podem ser negativas tanto para o cuidador quanto para o idoso, pois a sobrecarga excessiva do cuidador compromete a qualidade do cuidado prestado ao idoso; Percebe-se que cuidar de uma pessoa dependente modifica o estilo de vida do cuidador em virtude das necessidades apresentadas pelo dependente. As atividades de recreação e convívio social acabam sendo alteradas em virtude das atividades do cuidar, e ainda da necessidade do indivíduo que carece da presença constante do cuidador. Aumenta a nossa preocupação o fato de que a atividade de cuidador de uma pessoa doente na esfera domiciliar é, na maioria das vezes, significado de negligenciar sua própria vida ou parte dela, uma vez que a prioridade no momento é cuidar de seu familiar doente e fazer o que ele necessita, abdicando de suas próprias vontades...


2 - Falta de infraestrutura para o cuidado domiciliário 
Entre alguns cuidadores, a tarefa de cuidar torna-se mais difícil em virtude da falta de adequação do espaço físico/ambiente, principalmente para o uso de cadeiras de rodas e de banho, que pode resultar em acidentes e quedas, contribuindo para um agravamento do estado de saúde do idoso e para o aumento de tarefas/cuidados e esforço físico do cuidador.

[... no banho, cadeira de rodas eu não uso, porque no meu banheiro não cabe cadeira de rodas; então, eu sento ela na sanita e dou banho. O meu banheiro é pequeno, não cabe nem cadeira de banho nem cadeira de rodas...

... a dificuldade é o local, o espaço físico. A minha casa é pequena, o banheiro não dá para entrar com uma cadeira de rodas, eu tenho que o levar puxando pela mão, sentá-lo, colocar a cadeira de banho lá dentro e dar banho, e quando termina o banho, tenho que o levantar e puxar pela mão, sendo que, se tivesse um espaço maior, daria para o tirar na cadeira... a dificuldade dele é só na hora do banho, pois eu preciso de chamar o meu vizinho, porque ele é muito pesado e eu não aguento levá-lo sozinho. Quando é para tirar da cama, preciso de chamar alguém para o tirar... ]

Verifica-se nos relatos, que a inadequação do espaço físico destinado ao cuidado do idoso dependente impacta negativamente a atuação do cuidador familiar. Neste sentido, reforça-se a importância do redimensionamento dos espaços destinados à acomodação do idoso dependente nos domicílios: aumento de espaço nos sanitários, adoção de instrumentos de estabilização postural como corrimões/dispositivos de apoio, elevação ou rebaixamento de leitos e adoção de instrumentos auxiliares para a prestação de cuidados, como cadeiras de banho, cadeiras de rodas e outros.


3 - Falta de colaboração do idoso dependente 
[...a sonda já entupiu uma vez, ela já a arrancou uma vez...nós amarramos a mão dela, mas ela escapa... ao dar o banho ela não fica quieta, cai com o corpo todo para frente. Ela não é uma pessoa de ficar sentadinha... ela vai caindo, abaixando a cabeça, com o corpo todo. Tem dias que não, ela fica mais ou menos, mas tem outros dias que – nossa senhora! - tenho que dar banho com uma mão e segurar com a outra, senão ela cai...]

Relativamente ao aspecto comportamental, alguns cuidadores não manifestaram queixas em relação aos idosos sob sua responsabilidade. Nestes casos, foi possível observar uma diferenciação quanto à intensidade do vínculo afetivo estabelecido entre as partes, o que leva a suspeita de que tal variável pode influenciar nas questões comportamentais do idoso dependente. Também vale salientar que algumas famílias não conseguem conceber as alterações cognitivas e comportamentais como indicativas de uma desordem clínica no organismo; no entanto, tais alterações são percebidas como um fator de intensificação do desgaste do cuidador, gerando certo nível de ansiedade e a adoção de formas ineficazes de lidar com a situação. Ai aconselhamos seriamente que peça o apoio de um profissional adequado. A enfermeirosPT poderá ajudar efectivamemente o cuidador a aprender novas metodologias para lidar com a situação.


4 - Insuficiência de condições físicas do cuidador 
Na avaliação desta categoria, cabe ressaltar que a maioria dos cuidadores familiares apresentava-se em franco processo de envelhecimento, e alguns possuíam, inclusive, idade muito próxima dos idosos dependentes, o que limita sua capacidade física, como se vê no relato a seguir:

... é cansativo, porque ele é pesado para eu levar ao banheiro... ele ajuda de um lado e eu firmo do outro, e tem que empurrar o pé dele para mudar. É difícil ... a gente tem isso como um trabalho do dia a dia...

Neste estudo, observa-se a predominância de atividades relacionadas com a incapacidade funcional, que se traduz na incapacidade do indivíduo de realizar atividades da vida diárias. Esta condição, que compromete a capacidade de movimento do idoso, também representa risco para o cuidador, pela sobrecarga física que advém desta atividade. Os cuidadores necessitavam de realizar várias tarefas relacionadas com as AVD´s, das mais simples às mais complexas. Evidencia-se que atividades como banho e transporte exigem do cuidador esforço físico constante. Cattani e Girardon-Perlinni alertam que cuidar de alguém com dependência requer o desenvolvimento de atividades que envolvem esforço físico, além de procedimentos que exigem concentração e planeamento, acarretando, com o passar do tempo, características stressantes da atividade de cuidar e desgaste físico e emocional dos cuidadores.


5 - Falta de apoio familiar 
Nesta categoria, a realidade encontrada refere-se a um cuidador que assume a responsabilidade total pelo idoso dependente. Tal condição apresenta-se como um fator de dificuldade para o sujeito, conforme mostra o relato a seguir:

... acho tudo difícil (...) eu tenho que cuidar, pois se eu não cuido (...) eu não vou abandoná-lo, porque vai quase 52 anos que eu estou com ele(...) eu tenho que cuidar dele porque ninguém cuida...

Diversos motivos contribuem para que uma pessoa se torne cuidador principal, destacando-se: a obrigação moral alicerçada em aspectos culturais e religiosos; a condição de conjugalidade (o fato de ser esposo ou esposa); a falta de outras pessoas para a tarefa do cuidar, caso em que o cuidador assume essa incumbência não por opção, mas, na maioria das vezes, por força das circunstâncias e as dificuldades financeiras, como no caso de filhas desempregadas que cuidam dos pais em troca do sustento. Também vale destacar que o dever de cuidar de uma pessoa dependente está relacionado com acções impostas por normas sociais, inscritas num conjunto de crenças e valores culturais compartilhados entre membros de uma sociedade e de práticas morais fixadas pela família. Reitera-se, neste contexto, a necessidade de conhecer a realidade de cada família e as estratégias de apoio que poderão ser utilizadas para enfrentar a situação de dependência, representadas por redes de apoio formal e informal à família capazes de contribuir para a melhoria da saúde do cuidador e da qualidade dos cuidados a serem por ele prestados. Não se pode desconsiderar que cada família tem a sua subjectividade e sua maneira de cuidar, com base em seus valores e crenças, contudo o apoio formal e informal é uma necessidade tanto para o idoso quanto para o cuidador e família.

Os resultados encontrados apontam a necessidade de conhecer as dificuldades vivenciadas pelos cuidadores, buscando um redirecionamento de olhares para o cuidado no domicílio, enfocando a reorganização dos serviços de assistência ao idoso, bem como a operacionalização de acções que visem a diminuição das dificuldades relatadas para que, desta forma, se contribua para a melhoria da qualidade de vida do cuidador e consequentemente a qualidade dos cuidados prestados ao idoso.

A preocupação com a saúde da família, dos idosos e dos cuidadores e com a formação de uma rede de apoio deve envolver diferentes setores de modo interdisciplinar, desenvolvendo propostas que sejam realmente efetivas e promovam a saúde de maneira integral. Para tanto, é necessário que o contexto do cuidado seja visualizado de forma integral, com o desenvolvimento de acções integradas que visem a promoção, prevenção e recuperação da saúde do idoso, cuidador e família, dentro do contexto socio-económico, cultural e ambiental em que estes estão inseridos.

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