CONCEITOS INTRODUTÓRIOS
Deglutição:
Deglutição
é um tipo de digestão com as caraterísticas específicas: passagem
dos líquidos e dos
alimentos
fragmentados pela boca com movimentos da língua e dos músculos,
através da garganta e do
esófago
para
o
estômago
(CIPE,
2002).
Esta
pode
ser
divida
em
quatro
fases.
Fase oral preparatória é uma fase voluntária responsável pela preparação do alimento para ser deglutido, envolvendo a fase da mastigação e a formação do bolo alimentar coeso pela mistura com a saliva. Durante este processo as vias aéreas permanecem abertas e persiste a respiração nasal.
Fase oral é uma fase voluntária que começa quando a língua empurra o bolo alimentar em direção à orofaringe. É controlada pelos pares cranianos V, VII e XII.
Fase faríngea é uma fase reflexa e é iniciada voluntariamente depois de iniciada não pode ser interrompida. A respiração é inibida durante esta fase e são enviados impulsos nervosos ao centro de deglutição no tronco cerebral através do nervo glossofaríngeo (IX). Os V, VII, X, XII pares cranianos transportam os impulsos motores que produzem o reflexo de deglutição.
Fase esofágica é durante esta fase que a deglutição fica concluída, sendo a onda peristáltica que encaminha o bolo alimentar até o estômago.
Classificação da Consistência dos Alimentos líquidos (American Diet Assotiation, 2003): Líquidos: Água, caldo de carne, leite, sumos de fruta, café, chá e suplementos nutricionais.
Consistência de néctar: são líquidos suficientemente finos para serem bebidos por palhinha ou copo (néctares, batidos de fruta ou iogurtes líquidos).
Consistência de mel: são líquidos suficientemente espessos para serem comidos por colher e que não têm capacidade de serem bebidos através de uma palhinha (iogurtes líquidos espessos, molho de tomate, mel, compotas).
Consistência de colher: são líquidos que têm de ser comidos por colher e adquirem forma (por exemplo pudins e gelatinas).
Classificação da Consistência dos Alimentos sólidos (American Diet Assotiation, 2003):
Nível 1: puré para disfagia pura: homogéneos, consistentes, género pudim, requerendo muito pouca capacidade de mastigação.
Nível 2: disfagia por alteração da mecânica: consistente, húmida, alimentos semi sólidos, requerendo alguma capacidade de mastigação.
Nível 3: Disfagia avançada: alimentos moles que requeiram maior capacidade de mastigação. Nível 4: Normal: qualquer textura sólida.
A DISFAGIA pode ser uma consequência de várias patologias em que têm como principal fator comum uma alteração na deglutição. Esta situação pode conduzir a complicações tais como pneumonia de aspiração, asfixia, desnutrição e desidratação, interferindo quer na recuperação do utente quer na sua qualidade de vida.
Utentes com maior risco de alteração da deglutição
- Utentes com alterações mecânicas e/ou obstrutivas, tais como: infeções respiratórias, linfadenopatia, divertículo de Zencker, tireomegália, osteófitos cervicais, doenças esofágicas, neoplasias e estenose esofágica.
- Utentes com distúrbios neurológicos, neuro vasculares e neuromusculares, nomeadamente: Acidente Vascular Cerebral, Doença de Parkinson, Esclerose Lateral Amiotrófica, Esclerose Múltipla e Miastenia Gravis.
- Utentes com disfunções iatrogénicas provocados por tratamentos cirúrgicos da cabeça e pescoço, tais como traqueostomizados ou a ablação da língua e a utilização de alguns medicamentos, como neurolépticos, anti parkinsónicos e anticonvulsivantes e antidepressivos.
- Utentes com alteração do estado consciência.
Fatores potencialmente desencadeantes de alterações na deglutição
- Atenção reduzida
- Ausência de tosse
- Presença de tosse que se agrava durante as refeições
- Excesso de secreções
- Diminuição de força e dos movimentos orais
- Pneumonias de aspiração
- Alterações da voz: rouquidão, voz entrecortada, nasalada
Anamnese e Exame Físico
- Idade do doente
- Condição física
- Historial clínico (infeções respiratórias de repetição)
- Diagnóstico neurológico
- Estado de consciência
- Características da respiração
- Avaliação do reflexo da tosse
- Hábitos alimentares
- A qualidade da articulação do discurso
- A presença de sialorreia/ xerostomia
- A duração da refeição
- Controlo cervical e do tronco;
- Habilidade para comer e beber (procurando-se identificar a autonomia para alimentação segura);
- Estado de conservação dentária e próteses,
- Face (simetria)
- Lábios (simetria, encerramento);
- Língua (mobilidade e integridade),
- Qualidade vocal,
- Sensibilidade na região peri-bucal.
O teste da deglutição visa complementar as informações obtidas pela colheita de dados e deverá ser executado preferencialmente por enfermeiro especialista em enfermagem de reabilitação.
Técnica a utilizar (Apenas em doentes conscientes)
- Avaliar se o utente consegue permanecer na posição de sentado segura;
- Dar-lhe 10 ml de água, três vezes consecutivas; Caso não apresente dificuldade pedir ao utente para beber 30 ml, se não apresentar sinais de disfagia convidar a beber o resto do copo.
- Perante alteração, repetir o teste modificando a consistência da água progressivamente através da adição de espessante alimentar (primeiro na consistência de néctar, consistência de mel e consistência de colher), até se concluir qual a adequação à deglutição segura.
- Após cada fase deve avaliar-se: Qualidade vocal, tosse ou engasgamento, pigarro, refluxo nasal e características da respiração; Oximetria periférica; Elevação laríngea - posicionando o examinador o seu 2º dedo na região submandibular, o 3º dedo no osso hióide, percepciona-se o movimento laríngeo;
- Manter posição de sentado durante a alimentação (cotovelos e pés apoiados quando na cadeira);
- Se possível, incentivar a pessoa a alimentar-se sozinha, pois acionam-se os automatismos da deglutição, facilitando o processo;
- Evitar distrações (TV, conversas paralelas, etc);
- Adequar dieta ao tipo de disfagia:
- Instituir dieta pastosa tipo “semi-líquida I ou II” (consistência puré e nunca granulosa) na disfagia a líquidos;
- Instituir dieta “líquida” ou “semi-líquida I ou II” na disfagia a sólidos;
- Espessar os alimentos de acordo com a consistência segura testada previamente. Na hidratação utilizar água com espessante;
- Mostrar disponibilidade (sentar-se) e explicar os procedimentos;
- No caso da Pessoa com AVC, flectir e rodar o pescoço para o lado afetado. Se a dificuldade for apenas na fase oral, a extensão da cabeça facilita a drenagem gravitacional, melhorando a velocidade do trânsito oral;
- Restringir o tamanho do bolo alimentar (colher de sobremesa). A técnica correta é colocar a colher na metade posterior da língua, pressionando ligeiramente para baixo. Se o doente tiver parésia ou paralisia facial/ língua, a colocação correta é no lado não afetado;
- Assegurar o encerramento labial (caso contrário a deglutição não se processa);
- Se necessário, ajudar a progressão dos alimentos na mastigação, executando movimentos circulares bilateralmente, com os dedos na face do utente;
- Orientar, se necessário, a deglutição verbalmente.
- Colocação de sonda nasogástrica e iniciar alimentação entérica;
- Manter higiene rigorosa da boca, privilegiando a hidratação das mucosas, de forma a otimizar as estruturas para eventual recuperação funcional da deglutição;
- Reavaliar a capacidade/incapacidade para a deglutição, de acordo com a evolução clínica.
Medidas de reabilitação na deglutição
- Fortalecimento Muscular(Posicionar a pessoa e executar os exercícios em frente a um espelho, se possível)
- Exercícios de fortalecimento dos lábios: retrair, lateralizar, segurar espátula entre os lábios, soprar e assobiar.
- Exercícios de fortalecimento da língua: lateralização da língua, elevação da língua em direção ao palato duro (estalar a língua), protruir a língua, retrair a língua, elevar e baixar a ponta da língua, “varrer” com a língua o palato antero-posteriormente, vibrar a língua, empurrar a espátula com ponta da língua e empurrar as bochechas com a ponta da língua.
- Exercícios de fortalecimento para o palato mole: emitir “aaaaa”,” ããããã”, soprar e sugar.
- Exercícios de resistência muscular da região cervical: devem ser executados com a pessoa em decúbito dorsal, mantendo o eixo corporal (só é possível em doentes colaborantes). Elevar a cabeça do leito e olhar para os pés, pretendendo-se a flexão cervical.
- Exercícios de controlo do bolo alimentar: lateralizar a língua durante a mastigação, elevar a língua em direção ao palato duro, modelar a língua em volta do bolo (“cupping”), para segurar de forma coesa, movimentar ântero-posteriormente a língua no início da fase oral.
- Posturas e técnicas de deglutição compensatórias
Posturas compensatórias
- Flexão da cabeça (baixar a cabeça até que o pescoço fique fletido e o queixo fique a ¾ da sua distância normal do tronco) – esta postura esconde a valécula; a epiglote encobre mais as vias aéreas, protegendo-as e diminuindo o risco de aspiração.
- Extensão da cabeça (elevar a cabeça para trás, lenta e suavemente) – permite deslocar os alimentos mais rapidamente ao longo da cavidade oral. Usar sempre que os movimentos da língua se encontrem reduzidos.
- Cabeça em flexão lateral para o lado afetado – aumenta a adução das cordas vocais; encerra a faringe do lado para o qual a cabeça está lateralizada, fazendo com que o bolo alimentar prossiga pelo lado oposto da faringe; reduz a tonicidade em repouso do músculo cricofaríngeo.
Técnicas de deglutição compensatórias
- “Double swallow” – esta consiste em deglutir duas vezes seguidas. Utilizada para pessoas com alterações no controlo do bolo alimentar.
- “Hard swallow” – consiste em deglutir com vigor. Indicada no caso de alterações na proteção da via aérea.
- “Lip Pursing” – a pessoa deve manter os lábios fechados com a ajuda da mão. Indicada nos casos de hipotonia labial e/ou alteração no controlo do bolo alimentar dentro da cavidade oral.
Adequação da dieta
A adequação da dieta deve estar inserida numa abordagem multidisciplinar envolvendo médico, enfermeiro, nutricionista, terapeuta da fala.
A consistência da dieta deve adequar-se às características da disfagia, nomeadamente às patologias associadas e fases da deglutição.
Na fase oral preparatória poderá estar indicado alimentos de consistência mais líquida que facilitem o processo de mastigação.
A partir da fase oral e principalmente na fase faríngea poderá estar já indicado alimentos de características mais sólidas, preferindo-se a consistência em puré e evitando-se alimentos com consistência granulosa (exemplo arroz ou carne picada). Deverá utilizar-se espessante nos alimentos líquidos, sempre que necessário.
Na fase esofágica poderá ser novamente necessário uma dieta com uma consistência mais líquida, nomeadamente em casos de estenose esofágica.