fonte: https://uaonline.ua.pt/pub/detail.asp?c=40327
Os idosos memorizam menos informação, exibem tempos de reação mais longos e cometem mais erros e omissões em tarefas realizadas em ambientes que contenham distrações visuais. Esta é a principal conclusão de um estudo da Universidade de Aveiro (UA) que pretendeu avaliar o efeito que os distratores ambientais podem ter no desempenho cognitivo da população idosa, especificamente quando as tarefas envolvem estímulos visuais.
Os resultados da investigação, inédita em Portugal e pouco explorada no resto do mundo, poderão trazer uma panóplia de implicações práticas muito significativas em áreas tão diversas como a saúde ou a segurança rodoviária.
“Tomando por base a evidência de que ambientes distrativos prejudicam significativamente a capacidade dos idosos detetarem e responderem a estímulos, pode-se, por exemplo, prever consequências diretas na capacidade de condução dos idosos ou na realização de avaliações psicológicas em ambientes distrativos”, aponta o investigador em Psicologia do Departamento de Educação da UA, Pedro Rodrigues.
O responsável pelo estudo, supervisionado pela investigadora Josefa Pandeirada, sugere que, no que à condução diz respeito, “podemos prever uma maior probabilidade de acidentes nesta população quando a condução ocorre num ambiente rodoviário muito distrativo, de que é exemplo uma elevada frequência de placas publicitárias nas estradas”.
Esta previsão advém do facto do estudo ter relevado maiores dificuldades dos idosos em filtrarem informações relevantes perante um ambiente mais distrativo, assim como tempos de resposta mais longos. Este estudo colocou à frente do computador 40 idosos - com idades compreendidas entre os 60 e os 95 anos - de várias instituições sociais do distrito de Aveiro a realizarem testes de avaliação dos processos cognitivos básicos atenção e memória.
Decoração dos consultórios médicos pode influenciar consulta?
Paralelamente ao que aconteceu nas tarefas cognitivas utilizadas, aponta o investigador, “no ambiente distrativo é mais provável o idoso não responder a estímulos-alvo, dar mais respostas erradas, memorizar menor quantidade de informação ou demorar mais tempo a responder a estímulos relevantes”.
Assim, explica Pedro Rodrigues, “a realização de avaliações psicológicas ou médicas em ambientes distrativos pode não traduzir da melhor forma a realidade do sujeito, isto é, se um idoso está a ser avaliado psicologicamente num gabinete com muitos elementos distrativos, poderá não estar a realizar as tarefas [particularmente as que envolvam estímulos visuais] com a devida atenção”. Uma situação que “pode pôr em causa a validade dos resultados obtidos e um tratamento futuro”.
O mesmo poderá ser aplicado no contexto médico quando o clínico está a tentar explicar um esquema visual de toma de medicação ao idoso. “Um ambiente altamente distrativo potencialmente dificultará a apreensão da informação, podendo ter, por isso, consequências para a saúde do idoso”, diz Pedro Rodrigues.
O estudo inicial revelou que na realização de tarefas num ambiente isento de distratores visuais, como cartazes, fotografias ou pósteres, o desempenho dos participantes revelou-se melhor, com mais respostas corretas, menos erros, menos omissões de resposta e tempos de reação mais rápidos aos estímulos apresentados, comparativamente com os resultados alcançados em espaços contendo elementos distratores. O trabalho, agora em continuação com um novo grupo de 60 idosos, revela ainda prejuízos ao nível da memória perante estímulos distratores.
Os processos cognitivos básicos avaliados através das tarefas deste estudo estão subjacentes às mais variadas tarefas do dia-a-dia e têm sido amplamente estudadas. Contudo, a presente linha de investigação estuda-as enquadradas no ambiente circundante, o que faz dele um trabalho inovador na área da Psicologia Cognitiva.
Avaliação de outras faixas etárias
O estudo da UA de como os distratores ambientais influenciam a atenção e a memória é uma linha de investigação pioneira em Portugal e muito pouco estudada no mundo. Os investigadores querem agora saber o que se passa com as crianças, os adolescentes e os adultos em contextos semelhantes.
“De facto, em termos desenvolvimentais, as capacidades cognitivas dos indivíduos desenvolvem-se desde a infância até à idade adulta e entram em declínio durante a fase de envelhecimento”, aponta Pedro Rodrigues. Será de esperar por isso “que os distratores ambientais sejam mais prejudiciais ao desempenho cognitivo de crianças, adolescentes e idosos, do que ao desempenho de adultos”.
Pedro Rodrigues aponta que “se esta evidência se verificar em idades escolares, por exemplo, poderemos pensar na influência que os espaços de aprendizagem podem ter no desempenho dos alunos. As salas de aulas, que normalmente têm muitos elementos distrativos visuais, podem ter caraterísticas que se tornam prejudiciais às tarefas de aprendizagem, que naturalmente envolvem atenção e memória”. Contudo, “esta é ainda uma especulação, e portanto, aguardam-se dados relativos a outras faixas etárias, para além dos já verificados em idosos”.
Os dados obtidos até ao momento confinam-se a tarefas cognitivas específicas realizadas num contexto experimental mais controlado carecendo, apontam os investigadores, de validação noutros contextos mais naturalistas. Os autores desta linha de investigação acreditam no “forte potencial que o estudo pode ter, na medida em que este procura averiguar a relação entre o ambiente externo circundante ao sujeito e o seu desempenho cognitivo”.
O trabalho inicial da UA já deu lugar a um artigo publicado na revista internacionalCognitive Processing, onde se podem encontrar os primeiros dados obtidos com idosos portugueses, bem como referências a várias das suas implicações práticas -http://link.springer.com/article/10.1007%2Fs10339-014-0628-y. Os últimos dados foram recentemente apresentados no IX Congresso Ibero-Americano de Psicologia e 2º Congresso da Ordem dos Psicólogos, em setembro passado, no Centro Cultural de Belém, em Lisboa.