A transformação digital na saúde, acelerada pela pandemia, trouxe comodidade aos utentes, mas também novos desafios para os médicos de família. Em vez de aliviar a pressão sobre os profissionais, o acesso facilitado através de e-consultas, chamadas de vídeo e mensagens escritas tem gerado um aumento de consultas desnecessárias e uma sobrecarga preocupante nos cuidados de saúde primários.
Segundo Magnus Wanderås, médico e investigador da Universidade de Agder, na Noruega, a nova realidade digital está a alterar profundamente a dinâmica das consultas médicas. O seu estudo de doutoramento revela que uma em cada cinco consultas na clínica geral norueguesa já é feita por via digital. Embora essa transição tenha sido vista inicialmente como um avanço, os dados mostram um cenário mais complexo.
A ilusão da eficiência digital
De acordo com Wanderås, os médicos entrevistados identificam um fenómeno chamado "dupla utilização": muitos pacientes que iniciam uma consulta digital acabam por necessitar de um segundo atendimento, agora presencial, para resolver o problema. Como resultado, o número total de consultas subiu 13% desde o início da pandemia.
A facilidade de iniciar uma e-consulta — por vezes apenas para dúvidas triviais, como o tipo de pastilha mais indicada para a garganta — está a criar uma procura desproporcional e, muitas vezes, desnecessária. Esta procura, por sua vez, gera maior cansaço e frustração entre os médicos, que se veem obrigados a analisar mensagens fora de horas com receio de negligenciar situações graves.
Perdas na relação médico-paciente
Além da sobrecarga, os médicos relatam que a digitalização diminui a qualidade do contacto humano. A ausência de exame físico, da comunicação não-verbal e de momentos espontâneos — como o chamado "momento da maçaneta", em que o paciente revela algo importante ao sair da consulta — afeta a capacidade do médico de compreender a totalidade da situação clínica.
A tecnologia deve servir, não substituir
Embora reconheça as vantagens das consultas digitais em determinados contextos, Wanderås defende que a sua utilização deve ser criteriosa e com bom senso clínico. O governo norueguês propôs tornar obrigatória a oferta de vídeo-consultas, mas o investigador acredita que os médicos devem manter autonomia para decidir o melhor meio de atendimento.
"Inovação nem sempre significa progresso", alerta Wanderås. "Perante resultados insatisfatórios, é essencial reavaliar e, se necessário, recuar."
A experiência da Noruega serve de alerta importante para outros países, incluindo Portugal, que também têm investido em soluções digitais para os cuidados de saúde. A tecnologia pode e deve ser uma aliada, mas nunca à custa da qualidade do serviço prestado nem do bem-estar dos profissionais de saúde.
fonte: https://www.uia.no/english/research/research-news/health-and-sport-sciences/people-contact-their-gp-to-ask-about-lozenges.html
NR/HN/ALphaGalileo