Carinho sempre presente: Cuidadora de profissão

extraído parcialmente de: DNoticias.pt
Em inglês, ‘care’ significa cuidar, sendo a palavra também sinónimo de carinho. Daí deriva a designação de ‘caregiver’, o(a) cuidador(a) ou ajudante familiar, no fundo, aquele que cuida e dá carinho. 
Assim o faz, há mais de onze anos, Paula, enquanto ‘caregiver’ numa empresa de apoio domiciliário. Decidiu mudar de vida e trocar os números pela “parte humana”, fala-nos sobre o dia-a-dia de uma profissão em que carinho, respeito e compreensão são essenciais para atender às necessidades dos mais idosos e dignificar os seus últimos anos de vida.
“Cuidar de pessoas é um desafio, é um trabalho de responsabilidade, é reconfortante, gratificante e especial”, começa por dizer Paula, que em onze anos e sete meses , já cuidou de 27 pessoas. Neste momento acompanha duas idosas, uma senhora delas desde há seis anos e a outra deste Junho deste ano.
Tem a presença discreta e reconfortante de quem está habituada a colocar as necessidades dos outros em primeiro lugar e os princípios bem definidos: “Cada caso é um caso, mas tenho como princípio de base para todos: respeitá-lo como ser humano, respeitar a sua identidade, individualidade, hábitos e preferências”.
“É preciso uma grande dose de compreensão e, acima tudo, de respeito pelo ser humano”, enfatiza, e depois há a questão da família. ‘Paula’, ‘Paulinha’ ou até ‘minha querida’, como a tratam os seus ‘velhinhos’ confessa que há situações em que o cuidador acaba por ser “mais família do que a própria família”, provindo os necessários cuidados de higiene pessoal, a confecção de refeições, o apoio nas tarefas domésticas, a assistência à locomoção e, claro, a indispensável companhia. Não obstante, sublinha a importância de não “confundir papéis” e criar “conflitos”.
“Tenho de me adaptar a cada hábito daquela família e daquela pessoa em particular (...) Aquilo que interessa é que haja uma boa comunicação”, refere. E frisa que no supremo interesse do idoso “é importante o envolvimento da família”, bem como uma “boa relação entre os familiares e as cuidadoras, para que haja confiança, tranquilidade, estabilidade emocional e harmonia”.
Há toda uma relação que se vai construindo, assente no “respeito, transparência e diálogo”. Para Paula, a primeira impressão é muito importante. “O idoso quando sente que é respeitado, pela maneira como se fala com ele, automaticamente quase que se identifica [com o cuidador]”, realça.
“O gesto é mais do que as palavras”
Paula considera que o carinho tem de estar sempre presente na maneira de falar, quer o utente consiga verbalizar a sua vontade ou não: “Os pensamentos das pessoas nós não podemos adivinhar, mas podemos ver que a pessoa não está a gostar. Há uns que têm a capacidade de demonstrar e vão mostrar irritação, mas há outros que não têm essa capacidade”.
“Enquanto o cliente tem capacidade é sempre bom explicar aquilo que vamos fazer. Utilizo sempre frases curtas, de maneira a ter a certeza que ele compreende aquilo que é preciso fazer”, explica. “Quando deixa de ter é perguntar: ‘posso?’ ou ‘vamos fazer?’”, esclarece.
Para ilustrar, conta o caso de uma utente com princípio de demência que, por embaraço, negava-se ao auxílio nas tarefas relacionadas com a higiene íntima: “Ela ao início tinha mais vergonha, mas eu pergunto sempre ‘posso?’, ‘é melhor?’ e, no final, digo ‘obrigada’”. O sentido é sempre o de promover um maior conforto e independência do idoso. “Ela faz, conforme as suas capacidades, e aquilo que ela não conseguir fazer ela sabe que tem uma ajuda, sempre com um sorriso”.
A atenção acaba por vencer as resistências: “Mas obrigada porquê? Então ainda me ajudou e está a dizer obrigada”, pergunta a idosa”. Ao que Paula responde: “Sim, porque são necessárias as duas partes. Se não quisesse eu não era capaz de fazer”. “Ela fica toda contente”, remata a cuidadora.
A seguir conta-nos a história de uma idosa que estava paralisada e cuja fala tinha sido também afectada por um AVC. “Não mexia absolutamente nada e não dizia absolutamente nada. Mas é engraçado, como não se fala mas podemos comunicar”. Neste caso em particular, Paula destaca o sorriso aprovador que lhe indicava que estava a fazer um bom trabalho. “Quando eu acabava de lhe dar o almoço, o banho ou quando chegava ela tinha sempre um sorriso (...) O gesto é mais do que as palavras”, declara.
No sentido inverso, dá o exemplo de um senhor que lhe confidenciava que ficava irritado quando outras cuidadoras o ignoravam. “Fico aborrecido quando estou na cama e elas falam, falam, falam e eu estou ali”, dizia impotente o idoso. Paula elabora: “se estamos a dar o banho e não estamos a olhar para a pessoa, se não estamos a ver as reacções dela, é como um objecto e ela sente isso. De uma maneira ou de outra, vai ficar irritada, porque vai sentir-se incapaz, frustrada, humilhada”.
No que toca a este ponto, mostra-se irredutível: “Oito horas do meu trabalho eu tenho de dar atenção àquela pessoa (...) Enquanto ela estiver activa, eu tenho de estar ali a 100%. Não pode ser de outra forma”.
Tratar como gostava de ser tratada
Estar totalmente disponível para o outro, não pode ser tarefa fácil, tanto mais quando nos diz “faço turnos diurnos, nocturnos, fins-de-semana, feriados, Natal, fins de ano e nunca tirei férias por minha opção”.
Paula tem uma opinião diferente: “Eu não penso dessa forma, porque acho que é negativo. Eu penso: se eu como ser humano estivesse naquela situação como é que eu gostaria que me tratassem”.
“Acho que isto é vocação”, diz singelamente. E define-a assim: “Ser observadora e ver quais são as necessidades que cada um tem e ir preenchendo aqueles pedacinhos que vão faltando, de maneira a que seja útil para cada pessoa, sejam essas necessidades físicas ou emocionais, e aceitar o outro, sem querer impor a sua vontade”. 

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