Os portugueses são descuidados com a saúde

Por: Nuno Costa

Barlavento - «Prevenir é o melhor remédio». Este é mote do rastreio a levar a efeito, no dia 31 de Março, das 10.00 às 19.00 horas, nas instalações do piso zero do Centro Comercial Aqua Portimão, por enfermeiros de reabilitação do Núcleo de Enfermagem de Reabilitação (NER) do Centro Hospitalar do Barlavento Algarvio (CHBA), nesta cidade. O que vai ser feito em concreto?

Nuno Costa - O objetivo é identificar e alertar para os fatores de risco do Acidente Vascular Cerebral (AVC). Naquele espaço será montado um «stand» para avaliação da tensão arterial, dos níveis de glicémia e de colesterol, peso, altura e índice de massa corporal, entre outros fatores. Os interessados em submeter-se ao rastreio, de preferência, deverão apresentar-se em jejum de doze horas de forma a poderem ser apurados, mais rigorosamente, os valores a nível de glicémia e colesterol. No entanto, se não forem em jejum também poderão realizar o rastreio com os testes inerentes. Em primeiro lugar será efetuada uma avaliação do historial de cada pessoa para os enfermeiros ficarem a perceber quais os antecedentes e os fatores de relacionados com essa pessoa. Depois, serão realizados os testes. Todas as avaliações, físicas ou fisiológicas, nomeadamente ao colesterol e à glicémia, resultam de um teste fidedigno com equipamentos que permitem resultados muito próximos daquilo que seria uma análise sanguínea normal num laboratório.

b- Dos fatores de risco para a ocorrência de um AVC, qual o que destacaria?

N.C. - O colesterol é, talvez, um dos fatores de risco mais importantes neste tipo de problemática, atendendo ao carácter vascular, obstrução de um vaso por gordura. No entanto, não podemos esquecer a tensão arterial, considerando um fator silencioso em que a maioria das pessoas não está monitorizada. Com isto quero dizer que é necessário haver um controlo periódico deste tipo de parâmetro. O binómio sedentarismo/stress em conjunto com os fatores referidos acaba por potenciar de forma significativa a ocorrência deste tipo de casos.

b- Qual é o contributo que a enfermagem de reabilitação poderá dar para prevenir essas situações?

N.C . - Todos os enfermeiros estão despertos para esta problemática, que é o Acidente Vascular Cerebral, uma das patologias que gera mais incapacidade no adulto e consequentemente acarreta custos tanto em termos psicológicos e físicos, como ao nível de limitações de ordem vária para a própria pessoa. Como profissional de saúde e trabalhando num serviço que recebe muitos doentes com aquele tipo de patologia, estou desperto para o seguinte: conseguir alertar as pessoas antes que ocorra o problema. Aqui está o segredo. É que a nossa sociedade encontra-se muito centrada no hospital. Nunca consideramos o risco de acontecer um problema grave de saúde. Estamos com muita vontade para mostrar o que podemos fazer pela população, quer a nível de prevenção primária, ou seja da prevenção da doença e promoção da saúde, quer a nível da prevenção secundária, isto é, quando a pessoa já sofreu um AVC, nomeadamente na adotação de hábitos alimentares saudáveis, o deixar de fumar e ter moderação com bebidas alcoólicas e o controlo do peso e da tensão artéria, sem esquecer a atividade física.

b- O que significa em concreto prevenção secundária?

N.C. - Uma pessoa pensa que depois de ter sofrido um AVC, a situação está controlada e já pode voltar a cometer excessos. Mas não. Deverá ter muito mais atenção porque um dos fatores de risco mais elevados é precisamente já ter tido um AVC. E o segundo é sempre pior, pois provoca sempre muito mais limitações.

b- E nesses casos, qual o papel do enfermeiro de reabilitação?

N.C. - Os enfermeiros de reabilitação pretendem garantir o grau máximo de independência funcional para as pessoas e promover o autocuidado, sempre pensando nas atividades de vida diária ao nível de higiene, alimentação, mobilização e até mesmo na sexualidade. Da experiência que tenho, apesar de ser muito vasto o leque de limitações que a pessoa sofre consoante a zona do cérebro afetada, existem alguns aspetos alarmantes. Imagine uma pessoa que está no auge da sua carreira profissional, tem um papel ativo na sociedade e sente que há pessoas a depender do seu trabalho. E de um momento para o outro vê que não consegue falar, não consegue perceber nem movimentar ou mesmo sentir uma parte do corpo. Mesmo para nós, enfermeiros, por vezes é complicado gerir todos os sentimentos envolvidos nesta transição. É dramático acordar no dia a seguir e perceber que se está totalmente dependente de outros, desde a higiene à alimentação, passando pela sua própria movimentação.

b - As pessoas têm tendência para não se preocupar com os seus problemas, só recorrendo aos serviços de saúde perante situações mais complicadas, ou, pelo contrário, vão às urgências hospitalares por tudo e por nada?

N. C. - Encontramos pessoas com diferentes posturas. Num extremo podemos encontrar as que perante qualquer problema vão logo ao hospital, nem sequer considerando outra hipótese, pensando tratar-se de um caso de gravidade extrema. Outra postura relaciona-se com a pessoa que nem sequer irá perceber que está doente, ou que padece de um risco muito elevado de ficar doente. A situação é transversal a todas as idades na sociedade portuguesa. Não pretendo colocar rótulos nas pessoas, mas cada uma tem o seu comportamento, tem a sua maneira de ver a vida. E a este nível, nós, os portugueses, não é que deixemos tudo para a última da hora, mas somos um pouco descuidados com a nossa saúde. Privilegiamos talvez mais outros aspetos da nossa vida e só quando nos acontece alguma coisa é que recorremos aos serviços de saúde. Em termos gerais, seguimos aquela mentalidade, segundo a qual “isto nunca me vai acontecer ”. E este é o ponto fundamental. Por isso, apelo às pessoas para que se cuidem. Ajudem-nos a cuidar delas.

b- É preferível aquele tipo de pessoa que por tudo e por nada vai ao hospital como medida preventiva para o seu estado de saúde?

N.C. – Coloco a questão de outra forma: se um individuo for ao hospital todas as semanas com um sintoma diferente, poderia chegar a hora em que diria para um clínico que tem uma dormência num braço, sentia uma dor no peito lancinante que irradia para as costas e vai para o braço. E pela minha responsabilidade profissional teria de ter esses aspetos em atenção. Mas provavelmente enquadrado neste tipo de comportamento, não iria dar o devido valor ao utente. Se uma pessoa efetuar trinta visitas a um estabelecimento de saúde durante um mês, tal significará que todos os dias tem um problema diferente. E a este nível é que teremos de pensar qual é o ponto em questão. Na minha opinião, a situação passa por um trabalho de casa. Ou seja, se uma pessoa sentar-se no sofá e nunca sair de casa para fazer exercício físico, é negativo. Porquê não efetuar uma caminhada? Por outro lado, já ouviu dizer que comer gordura a mais faz mal à saúde e isto numa zona como o Algarve onde os petiscos são frequentes em convívios? Não digo que não se conviva, mas associado a essa situação cometemos excessos. Só que chega o dia em que o nosso corpo faz o somatório de todos esses problemas e temos o resultado. Há vários sintomas que, no fundo, podemos prever.

b- Como, por exemplo?

N.C. - Em termos de AVC é difícil termos esta perceção porque se trata talvez das patologias mais silenciosas. É quase como a hipertensão. Provavelmente um hipertenso só descobre que sofre desse problema no dia em que o avaliar. Os homens, em termos gerais, talvez tenham menos cuidado com a saúde. São muitas vezes as esposas que têm atenção aos problemas dos maridos. Mesmo assim, será difícil esses homens submeterem-se a algum teste. Compram um aparelho para medir em casa a tensão arterial e só depois percebem que esta se encontra elevada.

b- Como reagem perante essa situação?

N.C. - Muitas vezes negligenciam e dizem que “o aparelho está avariado”. Depois, é como aquela água que vai batendo na pedra, provocando-lhe desgaste.

b- Enquanto enfermeiro e especialista em reabilitação, o que gostaria de ver nas unidades de saúde do Algarve durante o Verão para enfrentar o previsível aumento da afluência de pessoas?

N.C. - Antes de mais, temos de pensar em dar informação às pessoas. Com isto quero dizer, é preciso educar para a saúde. E a aposta deve passar cada vez mais pela primeira linha, ou seja os cuidados de saúde primários. É preciso dotar os centros de saúde e os agrupamentos de centros de saúde de pessoal e equipamentos para conseguirem dar resposta a situações que, ainda que sejam urgentes, não necessitem de um tratamento hospitalar.

b- Quais os equipamentos necessários nos centros de saúde para evitar a afluência às urgências hospitalares?

N.C. - Por exemplo, num episódio de urgência, na generalidade, para se avaliar é necessário frequentemente a realização de análises, monitorização de parâmetros vitais, tais como tensão arterial, além de outros testes, até traçar um diagnóstico. Se conseguíssemos ter, por exemplo, a possibilidade de dotar o centro de um saúde de um espaço em que um profissional de saúde avaliasse a situação, requisitasse ou realizasse os testes e avaliações necessárias, nomeadamente análises básicas, equipar com aparelho de raio X e os respetivos técnicos, assim como um internamento de curta duração, poderiam ser resolvidos muitos problemas a nível hospitalar relacionados com o serviço de urgência. Porém, reforço a ideia de que é imprescindível educar a população.

b- Como perspetiva o próximo Verão?

N.C. - Sinceramente, para mim, é imprevisível. Tendo em conta a nossa situação económica e a crise europeia, não consigo prever o que possa acontecer no próximo Verão. O que é que o Algarve pode oferecer ao nível de cuidados de saúde? Temos três unidades hospitalares, dois internamentos durante 24 horas em Albufeira e Vila Real de Santo António e os centros de saúde desde o sotavento ao barlavento. No entanto, se as pessoas continuarem a ir para o hospital com situações menos ou nada graves, podendo ser resolvidas noutras unidades, isto não vai mudar. E vai ser muito complicado. Há que sensibilizar a população para esse fator.

b- Os postos da Cruz Vermelha Portuguesa que se encontram instalados nas praias durante o período do Verão contribuem para criar uma retaguarda, evitando, por exemplo, que uma pessoa recorra às urgências de um hospital por causa de uma picadela de um peixe-aranha?

N.C. – Claro. São problemas que poderão ser resolvidos na hora e em que a resposta é simples. Os profissionais que estão nesses postos de atendimento nas praias são dotados de capacidade técnica e cientifica para avaliar e diagnosticar a situação, após o que traçarão uma intervenção.

b- Em tempo de crise, com tantas restrições e cortes na saúde, ouvem-se profissionais a queixar-se de que se sentem desmotivados. Também se sente nessa situação?

N.C. – Pessoalmente, é claro que sinto os efeitos da crise e de todas as restrições. No entanto, o meu percurso como enfermeiro e agora como enfermeiro especialista, integrado em vários projetos, permite-me nesta altura, conseguir fazer face a esta situação com um ânimo diferente. E é este ânimo que normalmente tento passar para os meus colegas, sejam eles de cuidados gerais, sejam especialistas em reabilitação. Contudo, compreendo perfeitamente que um colega que se sinta desmotivado e perante uma situação adversa como aquela que estamos a atravessar procure outras soluções, nomeadamente fora de Portugal.

b- No seu caso, admite essa possibilidade?

N.C. - Neste momento, não. Penso que a enfermagem ainda me vai dar muita coisa em termos de realização profissional. E eu também estou disponível a dar o meu contributo e com toda a energia possível seja a nível nacional, seja na região do Algarve.

b- Quais os países que oferecem melhores condições aos enfermeiros?

N.C. - Depende também dos sacrifícios que os profissionais estejam na disposição de fazer. A vida de emigrante é, talvez, das mais duras.


Crise em Portugal poderá provocar desde depressões a suicídios

“O suicídio é um dos riscos a que muitas pessoas estão sujeitas na situação atual do país com o aumento do problema do desemprego”, avisa Nuno Costa, enfermeiro há nove anos. Perante essa situação, aconselha “calma, frieza e antes de tomar qualquer decisão, pensar”. “As pessoas não devem entrar em desespero”, recomenda aquele especialista. Com 32 anos e natural de Portimão, seguiu o curso na Escola Superior de Enfermagem de Beja, tendo obtido um complemento nesta área no Instituto Piaget, em Silves. Posteriormente, ingressou na Universidade Atlântica, em Barcarena, no concelho de Oeiras, seguindo o curso pós licenciatura da especialidade da enfermagem da reabilitação.
Adepto do Sporting e do Portimonense, Nuno Costa gosta de passar os poucos tempos livres que, hoje, tem “a passear na praia, a conviver com os amigos e a viajar”. Em termos profissionais, confessa que se sente “bastante realizado ao salvar vidas”

b- Há tendência para as pessoas recorrerem aos serviços de saúde em tempo de crise por questões psicológicas devido à falta de emprego, aos compromissos bancários que não conseguem cumprir na sequência da aquisição de casa ou de outros bens?

N.C. – Provavelmente não. Porque, agora, se forem à urgência hospitalar vão ter de pensar duas vezes em virtude do aumento do custo das taxas moderadoras. Muita gente passará a gerir melhor o dinheiro com as consultas médicas.

b- Mas que efeitos poderá ter esta crise nas pessoas?

N.C. - Se uma pessoa ficar sem capacidade para sustentar a sua família certamente o seu estado anímico vai abaixo. O que poderá acontecer? Desde depressões a suicídios. O suicídio é um dos riscos a que muitas pessoas estão sujeitas na situação atual do país com o aumento do problema do desemprego. Mas prefiro nem pensar nesse cenário e quero acreditar que é possível inverter a situação.

b- Que conselhos daria às pessoas em situação de desespero por falta de dinheiro?

N.C. – Calma, frieza e antes de tomar qualquer decisão, pensar. Pensar na família e pensar que há respostas que podem ser dadas ao nível de instituições como a Cáritas, a Cruz Vermelha Portuguesa, o Banco Alimentar Contra a Fome e outras de solidariedade social. As pessoas não devem entrar em desespero.

b- Os psicólogos poderão controlar essas situações?

N.C. – Não digo que consigam controlar, mas que podem dar uma ajuda disso não tenho dúvidas.


b- Como reage a queixas surgidas nos hospitais, nomeadamente com idosos com mais de 80 anos e a sofrer de AVC que chegam a esperar horas por atendimento nas urgências? De que forma é possível evitar esse tipo de situações?

N.C. - Isso é muito complexo. Não existem respostas simples para essa questão. O ideal seria a pessoa não esperar. Mas atendendo a que há uma grande afluência à urgência de um hospital, os clínicos têm de traçar prioridades. Também sou formador de primeiros socorros e a esse nível aprende-se que num caso em que há multi-vítimas é preciso traçar prioridades. Não posso atender uma pessoa que me diz que está com uma dor lancinante no braço e eu sei que não corre risco de vida, para deixar outra que tenho de reanimar obrigatoriamente porque senão morre. Agora, se as prioridades são traçadas bem, mal, teria de responder caso a caso.

b- Quantas horas trabalha por dia?

N.C. –Oito, oito horas e meia. Depende do turno.
b- Qual é a sensação de um profissional como tem sido o seu caso, ao conseguir salvar vidas?
N.C. - Sinto-me bastante realizado. Ainda há dias, sem recurso a fármacos, tendo recorrido apenas a técnicas específicas de enfermagem de reabilitação, consegui reverter uma situação grave de uma doença em fase aguda. E consequentemente tirar a pessoa daquele limbo em que, ou tenho obrigatoriamente de chamar o médico de urgência, ou resolvo a situação. E sabendo exatamente diagnosticar qual a situação, indo ao ponto, se conseguir rentabilizar isto vale para uma instituição como vale a nível pessoal. Se conseguir rentabilizar os recursos que me foram dados, nomeadamente na especialidade da reabilitação, certamente vou conseguir dar uma resposta mais adequada e fazer mais e melhor pelas pessoas que são alvo dos meus cuidados.

b- Quais os principais projetos do Núcleo de Enfermagem de Reabilitação do Centro Hospitalar do Barlavento Algarvio?

N.C. - Apesar de ainda não termos definidos concretamente projetos, a nossa intenção é uma aproximação cada vez maior à população seja com uma resposta dentro do hospital, seja com iniciativas que manifestem claramente o que é a enfermagem de reabilitação e a mais-valia que esta representa para o cidadão.


30 de Março de 2012  |  Jornalista: José Manuel Oliveira

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