Luz Artificial pode causar obesidade?

fonte: iOnline

Diz uma das muitas biografias de Thomas Edison na internet que o inventor da lâmpada conseguia acertar no peso de uma pessoa só de olhar para ela. Quis Cathy Wyse, investigadora da Universidade de Aberdeen, na Escócia, que peso e Edison voltassem a encontrar-se no mesmo texto. A cronobióloga – espécie rara de cientistas, segundo a própria – acaba de publicar um artigo em que defende que a explicação para a epidemia global de obesidade (já afecta mais de mil milhões de adultos) pode ser também a luz artificial. E que se isto for verdade, a esperada cura para a “inexorável expansão da adiposidade humana”, como escreve com graça no artigo, pode ser mesmo apagar mais vezes a luz.
O artigo publicado na revista “Bioessays” tece argumentos com base em resultados para já apenas com animais. A investigadora lança a hipótese de que a dessincronização entre os nossos ritmos de vida e o que dita o relógio biológico sediado no cérebro e células de todos os seres vivos pode ser a explicação para disfunções metabólicas por detrás da crescente incidência da obesidade e doenças como diabetes. A principal culpada seria então a luz artificial, que desde 1879 (quando Edison fez as primeiras demonstrações da lâmpada) empurrou a sociedade para ritmos de vida, trabalho e alimentação atípicos, tendo em conta milénios de evolução contra 133 anos de luz à distância de um interruptor.
Se ao longo da evolução o relógio biológico dos seres vivos se afinou pelo ciclo de luz/escuridão das 24 horas de rotação terrestre, tendendo todos os processos biológicos a funcionar em ciclos com a mesma duração, é fácil perceber o problema. “É evidente que os mecanismos por detrás da epidemia de obesidade são mais complexos do que a simples interacção entre dieta e actividade física”, escreve Wyse. Tendo em conta que o fenómeno é global, a cronobióloga sublinha que é bastante provável que haja uma causa ambiental e a perda da sintonia circadiana (a sintonização entre os ritmos biológicos e os dos hábitos de vida) surge como uma boa candidata. A investigadora destaca que já há mesmo estudos com animais que sugerem que, sem um aumento da ingestão calórica, a dessincronização leva a uma maior susceptibilidade à obesidade.
Aqui entra outro ponto curioso da análise: é que esta maior ou menor susceptibilidade pode estar ligada com o património genético de cada indivíduo. Os primeiros homens habitaram o planeta há 200 mil anos em nos trópicos africanos, onde os períodos de noite e dia duram invariavelmente 12 horas durante todo o ano. Ao longo dos milénios que se seguiram, o relógio biológico do homo sapiens evoluiu em função deste padrão, sendo que entretanto algumas comunidades foram migrando para norte e adaptaram-se aos períodos variáveis do pôr e erguer do sol consoante a estação.
 
Wyse lembra que, nas primeiras migrações, os ganhos em alimentação, território e clima compensaram os efeitos da dessincronização, mas agora as potenciais disfunções podem não estar a ser compensadas. Por outro lado, pessoas com ancestrais nestas latitudes equatoriais, por terem a sintonia mais enraizada nos genes, podem estar especialmente vulneráveis à obesidade, como já demonstram alguns estudos. Se assim for, diz Wyse, esta relação pode explicar, por exemplo, ser tão comum o excesso de peso nas comunidades afro-americanas (afecta sete em cada dez adultos). “Dois aspectos insuspeitos podem ter afectado a maior susceptibilidade para a obesidade: a migração de humanos para zonas com fotoperíodos diferentes daqueles que modelaram a evolução do seu pacemaker circadiano (relógio interno) e a dessincronização facilitada pela luz artificial”, conclui.
Embora haja evidências em estudos com animais, são precisos mais estudos com seres humanos para que se possa afirmar com certeza que existe uma relação de causa-efeito. Não é possível portanto estimar a responsabilidade da luz na epidemia que em Portugal afecta quase cinco em cada dez adultos, disse ao i a investigadora. Se a relação for provada, adianta contudo, a solução poderá ser só dieta e exercício, como aliás acredita que já foi demonstrado pela ineficácia destas estratégias em termos globais. “A recuperação da sintonia circadiana iria implicar a abolição do trabalho por turnos e a restrição ou mesmo eliminação da iluminação à noite.”
 
 Mudanças radicais que a ciência ainda não justifica. Para já, a investigadora defende que devem continuar os trabalhos em laboratório mas também ensaios clínicos que testem se viver mais de acordo com ciclos naturais, em sintonia com o relógio biológico, funciona como tratamento da obesidade. ”O sucesso destas intervenções iria apoiar uma associação causal. A ciência médica não tem por agora nenhuma outra abordagem eficaz e não invasiva para oferecer, e a nossa população cada vez mais obesa não tem nada a perder se não a barriga.”

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