Frio, humidade, falta de luz natural ou exposição ao ruído exterior são algumas das fragilidades que afectam as casas da maioria dos portugueses. A reabilitação energética pode ser a receita para ter mais conforto e bem-estar na habitação, ao mesmo tempo que se reforça a sustentabilidade de toda a cidade.


A pandemia obrigou-nos a olhar para o desconforto das nossas casas, trazendo ao de cima uma oportunidade que tem estado sempre lá: cuidar das nossas casas é cuidar de nós, mas é também melhorar a sustentabilidade das cidades.

De acordo com o Healthy Homes Barometer 2019, um em cada seis europeus vive numa casa com más condições para a saúde, isto é, cerca de 80 milhões de pessoas, das quais 26 milhões são crianças com menos de 15 anos. No panorama europeu, Portugal é o pior país deste ranking, com 51% das suas crianças nesta situação.


Mas o que significa uma casa “pouco saudável”?

 Trata-se de edifícios com problemas estruturais ou ambientais que afectam o ambiente interior. Entre as deficiências destas casas doentes, estão algumas daquelas que os portugueses identificaram nas suas habitações nestes meses, tais como mofo, humidade, falta de iluminação natural, frio ou excesso de ruído, e que tornam os ocupantes mais vulneráveis a uma série de doenças. A situação nacional ainda se agrava mais: no início de 2018, um levantamento feito pelo Instituto da Habitação e Reabilitação Urbana dava conta de que mais de 25 mil famílias portuguesas estavam em situação habitacional claramente insatisfatória, existindo 31 526 fogos sem as condições mínimas de habitabilidade. A maior parte destas carências habitacionais (74%) estava concentrada nas duas áreas metropolitanas e resolver a situação exigia, nada mais, nada menos do que 1700 milhões de euros, de acordo com o estudo.

Veja-se, agora, a componente energética: segundo a Comissão Europeia (CE), os edifícios são responsáveis por 40% do uso de energia e por 36% das emissões de gases com efeito de estufa na União Europeia (UE). Do parque edificado europeu, cerca de 35% foi construído há mais de 50 anos e perto de 75% é ineficiente do ponto de vista energético. Em Portugal, o diagnóstico feito na versão (ainda) provisória da Estratégia de Longo Prazo para a Renovação dos Edifícios indica que dois terços dos alojamentos existentes em Portugal (cerca de 3,8 milhões) são anteriores a 1990 e, por isso, não cumprem requisitos de eficiência energética. O documento oficial indica ainda que, “actualmente, o parque de edifícios existentes proporciona desconforto térmico em mais de 95% das horas do ano”. Por sua vez, os certificados energéticos emitidos desde 2013, ano em que se tornaram obrigatórios para imóveis no mercado, ilustram a mesma tendência, com a maioria a apresentar classe C ou inferior, mostram dados do Observatório de Energia da ADENE – Agência para a Energia.

A saúde precária e o desempenho ineficiente dos edifícios são problemas anteriores ao surgimento do novo coronavírus. No caso da energia, a preocupação com o desempenho energético dos edifícios entrou na agenda política comunitária em 2002, com a aprovação de uma directiva para o efeito. Desde então, os requisitos para a nova construção têm sido progressivamente apertados nos vários países da UE, o que tornou os edifícios construídos nos últimos anos significativamente mais eficientes. Ainda assim, o potencial dos edifícios existentes manteve-se adormecido e, só a partir de 2010, com as revisões da mesma lei comunitária e a crise económica, se começou a olhar a reabilitação com mais interesse.

Este artigo foi originalmente publicado na edição nº 29 da Smart Cities – Outubro/Novembro/Dezembro 2020, aqui com as devidas adaptações.